*Quase a fazer 80 anos, Gamila Hiar acorda todos os dias às cinco da manhã, bebe o seu copo de leite e come o seu pão com azeite como foi habituada na sua infância. Na pequena vila onde nasceu e onde continua a viver – Peqi’in, nas montanhas da Galileia no norte de Israel – a dona Gamila mantém os mesmos hábitos simples com que foi criada.

Oriunda de uma família drusa (comunidades árabes onde os fundamentos da fé são o amor, a proteção das terras, o apoio ao país onde se vive e a honra dos costumes e das tradições) que trabalhava o poder das ervas para curar, não é surpresa que aquilo que aprendeu em criança tenha acabado por moldar os seus valores em adulta. Mesmo agora. Agora que já não é a “doida das ervas”, como foi chamada durante anos, mas sim uma mulher importante da comunidade. A mesma comunidade que a excluiu por querer trabalhar mas a quem, hoje em dia, a dona Gamila dá trabalho na sua fábrica de sabonetes naturais adorados e usados por algumas das maiores celebridades do mundo como Rihanna e Angelina Jolia. Uma mulher tão diferente de nós e com quem, afinal, temos muito a aprender.

Para celebrar o 13º aniversário da venda dos (já chamados) milagrosos sabonetes Gamila Secret em Portugal, a própria dona Gamila em pessoa deixou a sua casa e voou até cá. O Observador sentou-se com ela para uma conversa à mistura com os dois filhos e uma tradutora árabe para conhecer melhor a marca que colocou Israel no mapa da beleza mas, acima de tudo, para conhecer a mulher por detrás dela.

A mulher, os sabonetes, o feminismo e o sexo

Se é como nós e andou este tempo todo a dizer Gamila, pois fique a saber que se pronuncia de forma diferente – jah-mill-ah. E a Gamila Secret é mesmo a mais lucrativa marca de sabonetes de Israel e da antiga tradição da “sabedoria do sabão” que tem vindo a passar de geração em geração através de receitas de família e das ervas locais.

“Nasci numa família pobre de agricultores e passei toda a minha infância nos campos. Foi com a minha mãe que tive o primeiro contacto com as plantas medicinais e com quem aprendi tudo o que sei hoje. Lembro-me de a ver a fazer as preparações das plantas para resolver os problemas das pessoas da aldeia. Era uma comunidade pequena sem médicos nem hospitais que recorria à minha mãe e às suas misturas para curar as mais variadas doenças”, conta a dona Gamila enquanto o filho sorri ao ouvi-la falar.

Os problemas começaram quando Gamila cresceu e quis fazer coisas diferentes com aquilo que tinha aprendido com a mãe. E ao invés de continuar o seu legado, Gamila quis aplicar esta tradição da cura à pele. “Eu queria fazer sabonetes mas queria fazer diferente do que já existia. Tudo tinha químicos mas eu sabia que, com as ervas certas, poderia criar algo natural para não prejudicar o corpo”, explica.

Mas numa aldeia onde convivem quatro religiões e onde as mulheres são educadas para cuidar da casa e dos filhos, Gamila foi a primeira a querer trabalhar. E a sua paixão pelas ervas e a sua dedicação às plantas e ao negócio que ela queria criar fez com que a chamassem de “a doida das ervas” e a excluíssem da comunidade por estar a ir contra as regras locais. “As pessoas da aldeia diziam aos meus familiares que tinham de me levar ao médico porque eu era maluca sempre ali de volta das plantas”, conta entre risos.

Sem saber ler nem escrever, Gamila passou 40 anos a fazer experiências com as ervas. Foram centenas de tentativas e erros até chegar à combinação secreta de ervas e extratos que dão aos seus sabonetes as suas propriedades especiais. É tão secreta que só é conhecida por ela e pelos filhos e está fechada num cofre literalmente a sete chaves.

*This article is a summary of the complete version published at Observador.pt available at: https://observador.pt/2018/05/30/gamila-hiar-a-doida-das-ervas-que-criou-um-imperio-da-cosmetica-em-israel/